Como apliquei o amor livre à minha vida

Mesmo sem estar em uma relação não monogâmica.

“Os analfabetos do século 21 não serão aqueles que não sabem ler e escrever, mas aqueles que não sabem aprender, desaprender e reaprender.”

Nessa afirmação, Alvin Toffler nos convida sorrateiramente a avançarmos em nossas habilidades de desconstruir caixinhas, recusar padrões, desafiar obviedades. E se tem algo difícil e ao mesmo tempo necessário de aprender, desaprender e reaprender é o amor.

Há pouco mais de um ano iniciei o Love Hacking, um movimento cocriado por mim para hackear o amor do futuro e, desde então, comecei a entender o amor de forma cada vez mais livre. Falar de amor do futuro é - mais cedo ou mais tarde - cair no tópico relações abertas, poliamorosas e livres, por isso, esse foi um dos assuntos mais abordados por mim nos últimos 12 meses.

Encontrei, não raras vezes, pessoas altamente resistentes e presas ao discurso “isso não é para mim”. Mas, no meio de tantas conversas, encontrei alguns outros que, como eu, não sabem dizer se isso é ou não para mim, porque, até então, nunca vi, nem comi, só ouvi falar. E se como Alvin Toffler sugere, precisamos reaprender a amar, porque não entender e testar na minha própria vida o que essas novas formas de relacionamento podem trazer de positivo? Afinal, tem como uma pessoa solteira aplicar alguns princípios de relações não monogâmicas mesmo sem estar de fato em uma? É o que eu tenho tentado fazer nos últimos tempos.

Definir pode ser limitar

Eu, como uma mulher que namorou os primeiros 10 anos de vida sexual ativa com pequenas trocas e espaços entre os romances, aprendi desde sempre a seguir a lógica de gamificação nos relacionamentos. O que é muito comum, pelo menos no meio a que eu pertenço, é seguir os seguinte estágios: conhecer, beijar, ficar, transar, namorar, noivar, casar. Não necessariamente nessa ordem, mas com poucas variações.

Mas essa nossa ânsia por rotular e criar estágios nada mais é que uma tentativa da nossa mente dualista - pouco presente e altamente controladora - de racionalizar. Rotular nada mais é que simplificar, e assim ignorar as tantas variáveis que dificilmente cabem em definições. Rotular é ver pouco e sentir menos ainda.  

Quando a gente limita demais, nos relacionamos a partir de uma mente tensa e um coração inevitavelmente fechado. Mais preocupada na evolução que me daria o tão desejado chinelo velho para o pé cansado, coloquei não raras vezes a busca por estabilidade acima da conexão. Pensando no futuro da relação eu, repetidamente, entrei em uma frequência de medo, que me impedia de realmente ver a pessoa com quem eu estava me relacionando, impossibilitava a conexão e tornava impossível sentir de verdade o que acredito ser amor. Relacionamento tornou-se menos sentimento e passou a ser dominado por uma mente viciada em segurança.

Nos últimos meses, tenho entendido que cada vez mais a incerteza é a única certeza que temos, por isso, minha busca passou a ser sentimento e conexão e não necessariamente segurança e estabilidade. Isso nem sempre é fácil, seja porque o outro com quem estou me relacionando talvez tenha o hábito de definir, seja porque as pessoas ao meu redor reforçam os padrões antigos constantemente. Para ilustrar, compartilho um diálogo com uma amiga, que, seguindo a lógica que eu mesma sempre segui, me disse uma vez: “vocês tem algo mal resolvido”. Precisei de alguns dias para concluir que “mal resolvido não, mas mal definido sim”. E isso pode ser maravilhoso.

Amor não é escasso

Quem disse que só podemos amar uma pessoa e que só existe amor de um jeito, nos disse também que o amor é escasso. Se é escasso, eu preciso encontrar alguém merecedor do meu sentimento, o que torna as relações quase uma troca mercadológica que não é muito bem amor. Se é escasso não tem pra todo mundo, então, eu preciso lutar para conseguir e manter o meu, o que me coloca naturalmente em uma frequência de medo. E se eu aprendi algo nesse um ano de mergulho no amor é que onde há medo, dificilmente há amor.

Quando entendi que amor não é escasso sai da lógica de esperar O BOY MAGIA que atenderia todos os requisitos da minha lista para que eu finalmente me entregasse. O amor é um sentimento e não uma prisão, o amor é intenção e não uma sentença de felizes para sempre. E através de uma experiência de, por 40 dias, intencionalmente escolher pessoas para sentir como se eu fosse apaixonada por elas (sem necessariamente envolver apelo sexual), percebi que bastava uma intenção para mudar totalmente a energia de qualquer relação.  Quando entendi que o amor não é escasso, passei a viver conscientemente o amor.  

Não, “te amo” não é tão sério assim

Você provavelmente já disse ou no mínimo ouviu alguém dizer que “eu te amo” é algo sério, e devemos usar a palavra amor com muito cuidado, pois não se ama qualquer um. Essa crença está relacionada com o amor romântico e com o fato de associarmos amor com exclusividade e segurança, mas esses elementos nem sempre precisam caminhar juntos.

Quando comecei a viver o amor menos como segurança e mais como liberdade, vi que ele pode sim ser sentido com muito mais frequência e menos seriedade que eu pensava. Colocamos no amor uma gravata bem bonita e o enchemos de burocracia como departamentos de tradicionais instituições. Mas poderia o amor ter a leveza de uma terça-feira de carnaval? Entendi que sim, e que o amor pode fazer mais parte da nossa vida que acreditamos até então.   

Adeus amor romântico

Relações não monogâmicas são baseadas em diálogo, sinceridade, respeito, intimidade e confiança. A única diferença é que o amor deixa de ser entendido como intrínseco a exclusividade e posse do outro. É entender que quando seu parceiro relaciona-se com outras pessoas não significa que você não é bom o suficiente, é abandonar a ideia cruel de que vamos encontrar alguém que atenda todas as nossas expectativas, é dar adeus ao amor romântico.

O simples fato de entender que talvez não exista uma metade da laranja me deixou muito mais aberta para experimentar o amor. Foi a partir dessa tentativa de abandono de amor romântico que consegui experimentar um alto nível de conexão e afeto por pessoas ou em situações que eu não teria me aberto para viver há algum tempo atrás.

E para mim é muito interessante parar de fazer a associação imediata entre exclusividade sexual com relações saudáveis. Respeito e consideração tem sim tudo a ver com tesão, e é bom que esteja em qualquer relação, por mais casual que seja.

Só sei que nada sei

Incorporar alguns elementos de relações não monogâmicas na vida de solteira de uma pessoa que sempre viveu o amor de modo tradicional não é fácil, mas com certeza tem sido libertador. O simples fato de me abrir ao que relações abertas propõe, me tornei mais apta a viver relacionamentos saudáveis, mesmo que pautados em exclusividade. Se eu viveria uma relação aberta, não sei. Se sei de fato o que é viver uma relação aberta, tampouco. Como diria Matilde Campilho “não sei nada sobre a paixão, suspeito que você também não. Mas, começo a entender que o compasso da fé está mudando a passos largos. Dois pra lá e dois pra cá.”

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publicado em 20 de Fevereiro de 2017, 20:09
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Marcelle Xavier

Publicitária de formação e escritora de coração, Marcelle tem o propósito de transformar o mundo com as palavras, ou ao menos um pedacinho dele. Com uma boa dose de curiosidade e com a crítica na ponta da língua, Marcelle mantém uma mente incessante e uma mão no coração para transformar a si mesmo, sua vida e as pessoas que passam por ela. Ama derrubar as coisas e detesta ter que arrumar depois.


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