Em 9 de janeiro de 2004, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 10.836/2004, que criou o Bolsa Família – maior programa de transferência de renda do mundo. O programa foi o resultado de debates com sociedade civil, ativistas e especialistas, a partir da experiência do programa Fome Zero. Hoje presenciamos exatamente o inverso, ou seja, a expulsão, pelo governo de Jair Bolsonaro, de 14,3 milhões de famílias do programa Bolsa Família, e meio a um cenário coincidente com uma situação econômica do país que vai mal, com desemprego crescente, o dobro do que era há 9 anos, com a intensificação da exploração do trabalho, alastrando a desgraça social por todo o país.
Esse é o panorama em que milhões de famílias, que se enquadram nos requisitos do programa, estão fora mas tentam entrar, alimentando a ilusão de um dia serem atendidas pelo programa que está sendo congelado. Aliás, as mudanças anunciadas quarta-feira (08), mostram que o governo pretende é aumentar a exclusão de famílias, que, cada vez mais empobrecidas, sem trabalho, e sem comida, encontraram um triste e desolador destino neste governo.
Com o Programa Bolsa Família, até o final de 2014, foram atendidas 14 milhões de famílias, o que permitiu retirar da miséria 36 milhões de pessoas. Em 2014, foram inseridos no mercado de trabalho 75% dos beneficiados, e 1,69 milhão de famílias procuraram voluntariamente os centros de referência em assistência social para abrir mão do benefício, pois já teriam elevado sua renda.
Dados divulgados pela Síntese de Indicadores Sociais (SIS) no IBGE, em novembro último, revelam que, em 2018, o país tinha 13,5 milhões pessoas na extrema pobreza, assim enquadradas pelo Banco Mundial, que segundo critério que adotou para essa classificação , essas pessoas recebem como renda mensal per capita menos do que R$ 145,00, ou 1,90 dólar por dia. Esse número, diga-se de passagem, é equivalente à população de países como Bolívia, Bélgica, Cuba, Grécia e Portugal. Embora o percentual tenha ficado estável em relação a 2017, subiu de 5,8%, em 2012, para 6,5% em 2018, um recorde em sete anos.
O gerente do estudo do SIS, André Simões, ressalta que são necessárias políticas públicas para combater a extrema pobreza, pois ela atinge um grupo mais vulnerável e com menos condições de ingressar no mercado de trabalho.
A Síntese de Indicadores Sociais também apontou que, embora um milhão de pessoas tenham deixado a linha de pobreza – rendimento diário inferior a US$ 5,5, medida adotada pelo Banco Mundial para identificar a pobreza em países em desenvolvimento como o Brasil – um quarto da população brasileira, ou 52,5 milhões de pessoas, ainda vivia com menos de R$ 420 per capita por mês. O índice caiu de 26,5%, em 2017, para 25,3% em 2018, porém o percentual está longe do alcançado em 2014, o melhor ano da série, que registrou 22,8% (antes do golpe).
O Estado burguês, principalmente na época do neoliberalismo, passa a apenas instituir regras a serviço dos capitalistas e fiscalizá-las para garantir a acumulação da riqueza, deixando o indivíduo à qualquer sorte que o “mercado” determina para ele. Nesse Estado, prega a direita, não existe mais o desempregado, e sim o cidadão, que, por não ser um empreendedor, não se esforçar honestamente, e conquistar espaço por seu próprio empenho e mérito, não consegue uma renda para a sua mantença e de sua família. A figura do empregado dá lugar, na propaganda capitalista, ao empreendedor individual e ao colaborador das empresas. O trabalhador concorre com o trabalhador, e a garantia do seu esforço é dada por um exército de desempregados lutando por um salário de fome, com a promessa de um dia poder virar patrão e um grande empreendedor e empresário de sucesso.
Nessa mesma linha de raciocínio, esses neoliberais entendem que todos os direitos adquiridos pelos trabalhadores sindicalizados não passam de benefícios destes às expensas de outros, que eventualmente aceitariam trabalhar com menos regalias. E que os sindicatos seriam o monopólio da oferta de empregos muitas vezes, interferindo na lei natural de mercado competitivo, e prejudicando os mais pobres ou independentes.
Na realidade, o que presenciamos com o governo Bolsonaro, e o neoliberalismo de Paulo Guedes, é exatamente essa caminhada para acabar com essas “regalias” segundo apregoam, e que traduzindo, seria acabar com todos os direitos alcançados por muitos anos de lutas da classe trabalhadora contra a exploração desmedida do capital, e que, nesses tempos de Bolsonaro, estamos vendo cair por terra e se perder sem um confronto por parte das direções da esquerda que coloque em xeque esta política. Anos de lutas perdidos em um ano de governo empenhado em destruir uma CLT, garantias constitucionais de trabalho e seguridade social.
Sem uma política a ponha fim a esse programa, sem a luta pelo Fora Bolsonaro, o legado desse governo ao trabalhador já se desenha com o desemprego, fome e morte.