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Diagnóstico Social, Econômico e Produtivo do Acampamento Rural Capão das Antas Núcleo de Pesquisa e Extensão Rural (NuPER/UFSCar) Observatório de Conflitos Rurais do Estado de São Paulo São Carlos 2016 Equipe de Trabalho Bárbara El Khalil Eduardo M. Garcia Felipe dos Santos Gabriel Pereira Gabriela Scardone Ávila Gustavo C. Salgado Ika Fredes João Victor Galdino Joelson Gonçalves de Carvalho Leonardo Ferreira Reis Leonardo Menezes Mariana Morozesk Matheus Fontebasso R. Menin Michel Barbará Pâmela Mara de Oliveira Pedro Alberto Ribeiro Pedro Mathias F. Custódio Taísa Baldassa Tuani G. de Ávila Augusto Vinicius B. Laguzzi Viviane Modda Oliveira Wagner Molina Sumário Lista de Figuras ............................................................................... 07 Lista de Tabelas .............................................................................. 09 1. Introdução .................................................................................. 11 2. Contexto histórico e econômico da região ................................. 15 3. Perfil socioeconômico e dinâmica demográfica dos ocupantes 23 4. Condições infraestruturais do acampamento e vulnerabilidade das famílias acampadas ............................................................. 31 5. Perfil produtivo das famílias do acampamento Capão das Antas .......................................................................................... 45 6. Antropização e conservação: do desenvolvimento socialmente justo e ambientalmente correto ........................... 61 Referências ..................................................................................... 73 Apêndices Metodologia de Pesquisa ........................................................... 77 Questionário socioeconômico aplicado ..................................... 81 Lista de Figuras Figura 01 – Área ocupada com cana na safra 2007/2008 no Estado de São Paulo e a EDR de Araraquara em evidência ............ 17 Figura 02 – Área ocupada com cana na safra 2007/2008 na EDR de Araraquara e o município de São Carlos em evidência ...... 19 Figura 03 – Descrição das áreas destinadas ao cultivo de cana e demais culturas na EDR de Araraquara entre os anos de 2010 e 2014 .................................................................................... 20 Figura 04 – Pirâmide etária dos ocupantes do Capão das Antas .... 24 Figura 05 – Número de pessoas por local de nascimento .............. 25 Figura 06 – Demarcação de zonas no acampamento Capão das Antas ........................................................................................ 32 Figura 07 – Origem da água de beber e cozinhar ........................... 36 Figura 08 – Origem da água de uso doméstico ............................... 37 Figura 09 – Origem da água para irrigação ..................................... 37 Figura 10 – Destinação do esgoto doméstico ................................. 40 Figura 11 – Destinação dos resíduos sólidos .................................. 40 Figura 12 – Infraestrutura de uma casa no Acampamento Capão das Antas ............................................................................. 41 Figura 13 – Infraestrutura de uma casa no Acampamento Capão das Antas com horta ............................................................ 42 ~7~ Figura 14 – Relação das famílias com e sem produção .................. 46 Figura 15 – Plantação de alface no acampamento Capão das Antas .............................................................................................. 57 Figura 16 – Placa de venda de hortaliças no acampamento Capão das Antas ............................................................................. 57 Figura 17 – Morador do Acampamento Capão das Antas na plantação de batata doce ............................................... 58 Figura 18 – Plantação de milho no Acampamento Capão das Antas ............................................................................. 58 Figura 19 – Criação de galinhas no Acampamento Capão das Antas ............................................................................ 59 Figura 20 – Criação de suínos no Acampamento Capão das Antas ............................................................................ 59 Figura 21 – Delimitação aproximada indicando a área ocupada, os rios e os limites da propriedade onde está situado o Acampamento Capão das Antas ............................................................................. 62 Figura 22 – Área de Preservação Ambiental Corumbataí Botucatu e Tejupá, perímetro Corumbataí .................................... 63 Figura 23 – Área total da ocupação e sua localização dentro dos limites da APA Corumbataí .......................................... 64 Figura 24 – Mapa de uso e ocupação do solo da propriedade rural Capão das Antas .................................................................... 66 Figura 25 – Principais classes de uso e ocupação do solo em termos de área .............................................................................. 68 ~8~ Lista de Tabelas Tabela 01 – Número de pessoas com necessidades especiais no Acampamento Capão das Antas ................................ 28 Tabela 02 – Produção vegetal e animal das famílias residentes no Acampamento Capão das Antas ............................. 49 Tabela 03 – Relação das produções vegetais e animais produzidas no acampamento e o número de famílias produtoras 54 ~9~ ~ 10 ~ 1. Introdução Este documento é fruto de uma parceria entre dois grupos de pesquisadores da temática agrária no Brasil, o Núcleo de Pesquisa e Extensão Rural (NuPER\UFSCar), e o Observatório de Conflitos Rurais do Estado de São Paulo. Ele parte de uma demanda específica: produzir um diagnóstico sobre o perfil socioeconômico do Acampamento Capão das Antas, localizado no município de São Carlos, São Paulo. Esta demanda não foi apresentada a estes grupos por acaso, mas sim por ser um documento que exige a produção e análise de dados confiáveis e representativos da problemática apresentada pelo acampamento. Portanto, o objetivo deste trabalho é criar um relatório técnicocientífico que apresente as principais características sociais, econômicas e também ambientais das famílias que compõem o Acampamento Capão das Antas. A realização deste trabalho é justificada não só pela importância do debate sobre a concentração de terras e suas consequências à sociedade, mas principalmente por ser um importante mecanismo para que tanto a comunidade quanto o poder público conheçam a realidade de exclusão em que vivem dezenas de famílias moradoras do Acampamento Capão das Antas, criando alternativas para retirá-las imediatamente da situação de vulnerabilidade social em que se encontram. Não menos importante é a contribuição que este documento pode dar à produção científica sobre assentamentos e acampamentos ~ 11 ~ de luta pelo acesso à terra localizados no município de São Carlos, localidade onde essa temática ainda é muito pouco estudada. Portanto, espera-se que este trabalho incentive a realização de novas pesquisas sobre a questão agrária neste município, onde, além do Acampamento Capão das Antas, existem dois assentamentos: o Santa Helena e o Nova São Carlos, consolidados em termos de distribuição de terra pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), e em contínuo desenvolvimento para produção de alimentos, em grande medida, comercializados na região. O acampamento, objeto deste estudo, possui um histórico de desenvolvimento contraditório devido, principalmente, aos conflitos com o poder público municipal, proprietário das terras em que está localizado. Iniciado em 2011, o Acampamento Capão das Antas é composto por dois grupos autodenominados Ocupação 22 de Abril e Ocupação 3 de Janeiro, datas que correspondem à formação do acampamento. Segundo Soares e Soares (2015), a área ocupada é remanescente da divisão feita pela União, que destinou parte da fazenda ao assentamento Nova São Carlos, e doou outra parte à empresa Volkswagen, que posteriormente devolveu ao poder público parte do lote. Oito famílias deram início ao acampamento em 2011 e passados quatro anos já somam aproximadamente cem, ou seja, cerca de trezentas pessoas vivendo e lutando pela terra à espera da sua regularização. A origem de grande parte dos conflitos que se deram até agora é a omissão do poder público municipal quanto à sua responsabilidade pela realocação das famílias acampadas de forma digna, mediante estudo de sua situação, tarefa que lhe foi designada ~ 12 ~ pela mesma decisão judicial que aponta a necessidade de reintegração de posse da área ocupada. A metodologia adotada para a realização deste relatório é baseada na análise de estudo de caso. Os dados deste estudo de caso foram obtidos mediante entrevistas semi-estruturadas com pessoas pré-selecionadas, permitindo-se obter informações qualitativas sobre a dinâmica e a história do acampamento, e a aplicação de um questionário, que forneceu dados sobre indicadores socioeconômicos considerados mais significativos e representativos dessa realidade. Mais detalhes sobre a metodologia adotada podem ser consultados na seção de Apêndices deste documento. O Diagnóstico Socioeconômico do Acampamento Capão das Antas está dividido em cinco partes, além da introdução. A primeira se trata de uma contextualização histórica e econômica da região de São Carlos, na qual também procurou-se relacionar o objeto de estudo com a base teórica utilizada para a análise dos dados primários. A segunda pa te,à i tituladaà Pe filà so ioe o i oà eà di i aà de og fi aà dosà o upa tes ,à us aàfaze àu àpa o a aàge alàdasà o diç esàso iaisàdasà famílias, cruzando informações sobre origem e trajetória dos acampados com suas condições de saúde, educação e renda. A terceira parte se refere às condições infraestruturais do acampamento e vulnerabilidade social, na qual é central a discussão sobre o saneamento das moradias e o consumo de água pelas famílias. A ua taà sess o,à ujoà títuloà éà Pe filà p odutivoà dasà fa íliasà doà á a pa e toàCap oàdasàá tas ,àp o u aà ost a àoàpote ialàag í olaà que este acampamento tem para a produção de gêneros alimentícios ~ 13 ~ que abasteçam São Carlos e região. A quinta parte apresenta uma perspectiva distinta para se pensar um projeto de assentamento, que não recaia na dualidade entre conservação ambiental e agricultura familiar, colocando o desenvolvimento socialmente justo ambientalmente correto como perspectiva para o acampamento. ~ 14 ~ e 2. Contexto histórico e econômico da região Problemas sociais relacionados à questão agrária não são uma peculiaridade do município de São Carlos, mas sim produtos da formação histórica do espaço no Brasil. Os conflitos decorrentes da modernização do campo foram estudados por diversos autores (GRAZIANO DA SILVA, 1982; PRADO JR., 2011; SAUER, 2010; entre outros), e se conectam diretamente ao processo de exclusão social causado pela concentração fundiária, o êxodo rural e o desemprego, tanto no campo quanto na cidade (CARVALHO, 2015). O desenvolvimento da agricultura brasileira caminha em conjunto com a concentração fundiária e dos meios de produção. A premissa que nos leva a tal afirmação parte de uma profunda análise histórica sobre o tema, o que desviaria do objetivo deste estudo, porém é necessário fazer dois apontamentos antes de seguir para a análise específica do Acampamento Capão das Antas. O primeiro trata do processo de expulsão sistemática de camponeses em diversas regiões do Brasil, cuja finalidade é a expansão da fronteira agrícola, e a liberação de grandes contingentes de trabalhadores e trabalhadoras das suas terras, fazendo com que sejam obrigados a se assalariar para garantir sua sobrevivência (PAIXÃO; ALVES, 2008). Como se não bastasse a violência desse processo, uma vez na periferia das cidades, essas pessoas se encontram em uma ~ 15 ~ situação de vulnerabilidade alarmante, pois são praticamente excluídas do acesso a infraestruturas essenciais para sua reprodução social, ou inseridos em programas estatais de gestão dessa periferia marcados pela repressão policial (FELTRAN, 2009). Este é o desdobramento de um processo de colonização da América Latina (QUIJANO, 2005), que se consolida no Brasil com a Lei de Terras, de 1850, quando a apropriação privada e concentrada da terra é regulamentada para a exploração predatória dos recursos naturais, assim como a expulsão e incorporação de populações locais e imigradas espoliadas para ampliar a acumulação de capital (CARVALHO, 2015). O segundo ponto a ser considerado é o modelo de modernização, e, consequentemente, de tecnologias agrícolas que são hegemonicamente implementados no campo brasileiro. Esse modelo parte do pressuposto de que a produção agrícola deve ser baseada na monocultura sobre grandes extensões de terras e utilizar amplamente agrotóxicos e adubos químicos, além de máquinas de grande porte, consequentemente, de elevado custo de aquisição e manutenção. Essa forma de entender e realizar a produção agrícola, quando não inviabiliza a pequena produção camponesa, causando a concentração de terras, a torna totalmente submissa a esse sistema, seja por meio do endividamento ou por depender de cadeias de produção e comercialização próprias a que devem estar atreladas (SAUER, 2010). Assim, será apresentado ao final deste documento uma alternativa que parece mais adequada à realidade estudada. Partindo desses pressupostos teóricos e do contexto histórico brasileiro rapidamente introduzido, será apresentada a análise do ~ 16 ~ município de São Carlos. Localizado no Estado de São Paulo, a zona rural de São Carlos é majoritariamente ocupada pela produção monocultora de cana de açúcar, como se pode observar no mapa paulista (Figura 01) e pelo mapa da região de Araraquara (Figura 02). Este fato deve ser salientado não só para localizar geograficamente o objeto de estudo, mas principalmente para sua contextualização social e econômica. O domínio da produção canavieira no estado de São Paulo não se deu, muito menos se mantém, em relação harmônica com outros tipos de culturas, muito pelo contrário: a concentração de terras e capital pelo agronegócio da cana resulta em uma relação extremamente conflituosa com outras principalmente a campesina (MELO, 2012). ~ 17 ~ formas de produção, Figura 01. Área ocupada com cana de açúcar na safra 2007/2008 no Estado de São Paulo e a EDR de Araraquara em evidência. Fonte: LUPA - Levantamento Censitário das Unidades de Produção Agropecuária do Estado de São Paulo. O município de São Carlos está inserido no Escritório de Desenvolvimento Rural (EDR) de Araraquara (Figura 02), região que, segundo dados do Instituto de Economia Agrícola (IEA) do Estado de São Paulo, tem 74,7% da área destinada a cultivos agrícolas ocupada com o plantio de cana de açúcar (IEA, 2015). ~ 18 ~ Figura 02. Área ocupada com cana de açúcar na safra 2007/2008 na EDR de Araraquara, e o município de São Carlos em evidência. Fonte: LUPA - Levantamento Censitário das Unidades de Produção Agropecuária do Estado de São Paulo. Considerando toda a discussão apresentada até então sobre a questão agrária no Brasil e em São Paulo, a hegemonia desta cultura específica na região de São Carlos é ainda mais preocupante quando se analisa sua relação com a produção de alimentos. A partir da Figura 03 pode-se observar que existe uma tendência ao aumento da monocultura canavieira na EDR de Araraquara, em detrimento de outros cultivos, onde se insere os gêneros alimentícios. Esse processo de substituição da produção de alimentos pelo de commodities agrícolas tem sido debatida por diversos setores da sociedade civil, pois pode significar o agravamento da insegurança alimentar de regiões ~ 19 ~ inteiras, causando aumento de custos e diminuindo a qualidade dos produtos. Figura 03. Descrição das áreas destinadas ao cultivo de cana e demais culturas (em hectares) na EDR de Araraquara entre os anos de 2010 a 2014. Fonte: IEA-SP. Se analisarmos esses dados com foco em São Carlos, pode-se verificar a mesma tendência. Em 2010, o município destinava 24.000 ha para o monocultivo de cana, ou seja, 21,11% de toda sua área urbana e rural. Em 2014, esses valores sobem para 33.500,00 ha, correspondendo a 29,47% da sua área (IBGE, 2015; IEA, 2015). A produção de alimentos deve ser prioritária quando se trata de uma região tão urbanizada quanto esta, tornando uma alternativa viável o assentamento de famílias que têm essa vocação e o potencial de suprir parte da demanda de São Carlos. É nesse contexto que se insere o ~ 20 ~ Acampamento Capão das Antas, objeto de estudo desse diagnóstico, cuja análise será apresentada nos capítulos seguintes. ~ 21 ~ ~ 22 ~ 3. Perfil Socioeconômico e dinâmica demográfica dos ocupantes O acampamento rural Capão das Antas contava, nos dias 04 e 05 de julho, quando a coleta de dados foi feita pelos pesquisadores, com um total de 296 ocupantes agregados em 94 famílias. À primeira vista, chama a atenção o número expressivo de famílias instaladas no local. Outro fato importante a ser ressaltado é que aproximadamente 83% das famílias pesquisadas estão agregadas na sua totalidade no lote, isto é, se caracterizam por casais com filhos e não apenas um ep ese ta teà ue,à oà ja g oà o u ,à gua daà luga à pa aà osà de aisà em uma possível desapropriação da área. Soma-se a isto o fato de que 51% dos que ali se encontram estão há um ano ou mais na área. Esta informação é relevante devido às condições de precariedade encontradas no acampamento e o elevado grau de carência das famílias. A opção da residência no local remete à incapacidade de inserção em melhores condições no espaço urbano. As composições familiares – na sua maioria, representadas por um casal com filhos – indicam que os ocupantes veem o acesso à terra como uma alternativa ao emprego e moradia urbanos, na busca de reprodução material e social de seus membros. A distribuição etária dos ocupantes pode ser analisada pela Figura 04, a seguir. ~ 23 ~ Figura 04. Pirâmide etária dos ocupantes do Capão das Antas. Dos ocupantes, 51% são homens e 49% mulheres, com uma importante concentração de 48% do total nas faixas etárias de 15 a 54 anos e de 27% de crianças e jovens entre 0 a 14 anos. O número de crianças até 4 anos representa 7,1% do total, já a porcentagem acumulada de crianças entre 0 e 10 anos é de 20,3%, somando ao todo 60 crianças dessa idade. A análise mais pormenorizada da pirâmide etária indica que, do ponto de vista da idade, o acampamento tem dois potenciais implícitos, a saber: a manutenção de jovens nos espaços rurais com capacidade de incorporação à lógica do trabalho agrícola e a força de trabalho em idade ativa abaixo dos 65 anos que, como se sabe, tem capacidade de suportar as especificidades do trabalho rural, geralmente mais braçal e desgastante que em postos urbanos. ~ 24 ~ Buscando avaliar a origem dos ocupantes do Capão das Antas, investigou-se o local de nascimento e o último local de residência das famílias acampadas (Figura 05). Os dados levantados e ilustrados no gráfico abaixo indicam que parte significativa dos ocupantes - 169 pessoas - nasceu no estado de São Paulo (SP), seguido do Paraná (PR) com 43 pessoas, Minas Gerais (MG) com 26 e Bahia (BA) com 22 pessoas. A naturalidade de 7 ocupantes não foi informada (N/I). Figura 05. Número de pessoas por local de nascimento dos ocupantes do Capão das Antas. A maioria de ocupantes nascidos no estado de São Paulo (cerca de 57%) desmistifica o senso comum de que os migrantes estariam vindo de outros estados mais pobres da federação, notadamente nordestinos, em busca de melhores condições de vida. Se somarmos os nascidos em São Paulo e Paraná, é possível perceber que ~ 25 ~ aproximadamente 72%, ou seja, a maioria absoluta dos que hoje demandam terras na área do acampamento é oriunda dos estados com a agricultura mais moderna e capitalizada do país. Isso deixa claro que a agricultura empresarial não é capaz de reter o contingente expressivo de trabalhadores sem-terra que, paradoxalmente, perdem postos de trabalho com o avanço crescente da tecnologia. Ao relacionar a naturalidade dos indivíduos consultados com as respectivas posições geracionais ocupadas por eles dentro das suas unidades familiares, os resultados indicam que 3 pessoas são naturais da região Norte do país. Para a região Nordeste o número é de 47 pessoas,à se doà ueà dessas,à à % à pe te e à à Ge aç oà à eà à (19%) são filhos(as) e /ou enteados(as) (Geração 1). Oriundos da região “ulàso a à àpessoas,àse doà ueà ouàseja,às oà hefesàdeàfa ília,àe .àDaà egi oà“udeste,àtotaliza à pe te e à à Ge aç oà ,à à à % àpe te e à à Ge aç oà ,à ua toà à % àpe te e à à Ge aç oà àpessoas,àde t eàasà uaisà à %à % à à Ge aç oà àeà à % à à Ge aç oà 1 . Chama a atenção o número de nascidos em São Carlos, aproximadamente 1/3 dos ocupantes. Nenhum outro município tem uma participação relativa tão expressiva. Considerando o último local de residência, 80%, ou seja, a maioria absoluta, residiam em áreas periféricas urbanas de São Carlos antes do acampamento. 1 Para fins de sistematização, foi convencionado que os chefes das unidades familiares, fossem homens ou mulheres, comporiam a “Geração 0”, bem como seus irmãos e amigos, desde que moradores da mesma residência. Seus filhos(as), sobrinhos(as), enteados(as), genros e noras compuseram a “Geração 1”. Netos (as) compuseram a “Geração 2”. ~ 26 ~ Sobre as últimas informações, pode-se inferir que a mera possibilidade de uma desapropriação do Capão das Antas não causou uma migração direcionada que pudesse servir de desestímulo ao assentamento dos ocupantes. Em termos gerais, os ocupantes residiam na zona urbana são-carlense e, diante das dificuldades de reprodução material encontradas, se direcionaram ao acampamento. A partir desse cenário, se torna urgente a necessidade do poder público municipal de priorizar e enfrentar o problema da pobreza e, associada a esta, da vulnerabilidade econômica e social das famílias residentes no município. Neste sentido, um possível direcionamento da área do Capão à agricultura familiar teria efeitos benéficos que podem transbordar do espaço rural para o urbano, gerando sinergias positivas para todo o município. É importante ressaltar que as trajetórias individuais dos ocupantes, majoritariamente urbanas, não devem servir de argumento para o não assentamento das mesmas. A pesquisa constatou que muitos dos que estão na área têm, em suas vivências, experiências anteriores em atividades agropecuárias. Por outro lado, como se verá mais à frente neste relatório, mesmo sem respaldo institucional, organização formal, assistência técnica e segurança jurídica, a produção encontrada no acampamento é expressiva e indicadora de competências que podem, inclusive, ser potencializadas. Em relação ao nível educacional, existe entre os ocupantes uma gama variável de níveis de escolaridade, mas apenas quatro pessoas se declararam analfabetas e se encontram em idades mais avançadas. O baixo número de pessoas analfabetas indica potencial na eficiência do ~ 27 ~ gasto público em cursos de qualificação, especialização e de assistência técnica que, por ventura, possam ser destinados a este público. Sabe-se que grande parte dos gastos em formação, assistência técnica e extensão rural não é otimizada em áreas nas quais os agricultores apresentam dificuldades de leitura. No que tange à saúde, não foram relatados acometimentos que, em geral, possam inviabilizar o trabalho rural. Contudo, algumas famílias declararam que alguns de seus membros apresentam necessidades especiais (Tabela 1). Tabela 1. Número de pessoas com necessidades especiais do acampamento capão das antas. Sobre os indivíduos com necessidades especiais e gestantes, em que pese o baixo número, é importante um acompanhamento mais rigoroso por parte do poder público municipal, levando-se em consideração as especificidades de cada caso. Garantir a inclusão é fundamental para a dignidade da pessoa humana. ~ 28 ~ Sobre as ocupações anteriores e atuais dos ocupantes, registrouse uma gama bastante diversa. Não há como estabelecer um padrão mínimo que sirva de norte para análises mais densas, entretanto, de todas as ocupações listadas predominam trabalhos braçais, com baixa qualificação e consequente baixa remuneração. Todavia, quando comparada a situação do acampamento anterior com o atual, houve tendência ao agravamento, inclusive com aumento dos desempregados. Pela sistematização das informações deduziu-se que a reprodução material das famílias foi e tem sido por meio de atividades pesadas, que requerem cuidados especiais da própria saúde para segurança familiar. Sendo assim, o acesso à terra a partir da lógica da agricultura familiar poderia aumentar a segurança e estabilidade de todos e todas, especialmente porque registrou-se uma significativa desproteção previdenciária que tende a se agravar com o avanço da idade média dos ocupantes. Um membro da família que perde a saúde e o emprego, não contando com os serviços de seguridade social, gera danos estruturais à sobrevivência familiar. Em termos prognósticos, dadas as condições atuais dos ocupantes, incluir produtivamente estas famílias é uma tarefa fundamental para reduzir seu grau de vulnerabilidade. A garantia da posse da terra por parte dessas famílias em um possível assentamento pode reverter este quadro e arrefecer uma futura vulnerabilidade, uma vez que a terra em assentamentos rurais, além de ser espaço de trabalho, é também espaço de vida. ~ 29 ~ Por fim, as rendas familiares são bastante variáveis, porém oscilam entre valores relativamente baixos. A renda média individual calculada foi de R$ 672,94. Os limites máximos e mínimos encontrados para a renda foram de R$ 2.500,00 e zero, respectivamente. Cabe lembrar que o salário mínimo vigente é de R$ 788,00. Para o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) o salário necessário para a reprodução material digna de uma família, em julho, mês da coleta dos dados in loco, era de R$ 3.325,37. Os três registros com limites máximos de renda encontrados devem ser observados com cautela, uma vez que geram um desvio da média para cima, ou seja, se excluídos, resultam em uma renda média geral em torno de R$ 589,60, valor preocupante diante das necessidades de consumo básico atuais. ~ 30 ~ 4. Condições infraestruturais do vulnerabilidade das famílias acampadas acampamento e A partir da observação da dispersão espacial das moradias instaladas no acampamento, foi possível dividi-las em 4 zonas de adensamento, o que permite inferir a existência de uma organização territorial, conforme a Figura 06. O fato de não ser um acampamento desordenado facilita uma possível destinação da área para fins de reforma agrária e agricultura familiar, considerando o acúmulo dos ocupantes na divisão e organização territorial precedente. Para facilitar a coleta de dados, as zonas identificadas foram assim préestabelecidas:      Zona 1 - compreendendo desde o trilho da estrada de ferro até a bifurcação de estradas que dá acesso à represa; Zona 2 - compreendendo desde a bifurcação até a porteira de acesso à nascente; Zona 3 - compreendendo toda a estrada à direta da represa até a plantação de eucalipto; Zona 4 - o p ee de doàasàduasà uasàat sàdaà uaàp i ipal à da parte baixa do local, demarcada também pela encruzilhada; Zona 5 - compreendendo a rua à esquerda da represa até a encruzilhada. ~ 31 ~ Figura 06. Demarcação de zonas no acampamento Capão das Antas. Outro fator importante a se destacar é que nos adensamentos encontrados, conforme a Figura 06, as áreas com maior risco de danos ambientais foram poupadas, ou seja, possíveis danos ambientais foram minimizados no processo de antropização do território. As famílias residentes no Capão das Antas entendem a necessidade de preservação dos recursos naturais, tanto para sua permanência no local enquanto acampados e para a expectativa de futuros assentados, quanto por se perceberem parte integrante de uma área que depende ~ 32 ~ da conservação das suas nascentes. Dessa forma, foi possível o comprovar o cuidado dos acampados com a conservação do local, mantendo as condições que garantem o mínimo de qualidade dos recursos necessários à sua sobrevivência e reprodução material. Entretanto, com uma simples análise de paisagem pode-se perceber que os ocupantes do Capão das Antas estão em condições de elevada vulnerabilidade social e precariedade material, sem acesso regular à água, saneamento básico e energia elétrica, expostos às intempéries do tempo como frio e chuva pelas suas condições de moradia. Em função da falta de acesso ao abastecimento de água e energia elétrica, assim como a medidas de esgotamento sanitário e coleta de resíduos sólidos, os acampados precisam improvisar, uma vez que são necessidades básicas inerentes à manutenção da vida. Existem famílias no acampamento desde 2011 e, na maioria dos casos, sobrevivendo a partir dele. Sendo assim, é necessário se considerar as condições nas quais os acampados vêm se mantendo e a relação que tem sido estabelecida com o local, pois, ao mesmo tempo em que se sustentam a partir do meio, asseguram seu cuidado mínimo dentro de suas possibilidades. Desde 2011, a ameaça de reintegração de posse da área ocupada é constante, assim como a negligência do executivo municipal, requerente da área, diante dos condicionantes da liminar expedida em 25 de novembro de 2011, na qual consta: O bem público, por óbvio, deve ter sua utilização destinada ao atendimento do interesse público. De fato, a questão da moradia aos menos afortunados representa uma questão social. Trata-se aqui de ocupação de bem público por fa ílias de baixa re da procedendo ao Município o levantamento com demarcação de área de preservação ~ 33 ~ permanente invadida, levantamento socioeconômico e adoção de cronograma de desocupação e realocação dos ocupantes dessa área, além de medidas imediatas para a remoção do lixo e entulho e impeditivas de novas ocupações à Juizà deà di eto:à “id eià á t ioà Ce i a o.à Processo: 0020201-81.2011.8.26.0566. fls. 49-51 apud SOARES; SOARES, 2015). (grifos nossos) O caráter de ilegalidade do acampamento na área pública e a expectativa de uma liminar de despejo, que pode ser cumprida a qualquer momento, afetam o modus operandi da permanência na terra, dificultando soluções estruturais para o acesso a recursos básicos como água, energia e saneamento. Tais fatores culminam na precariedade do acampamento, em termos infraestruturais. Em outras palavras, os aspectos que garantem a sobrevivência e reprodução material das famílias, como a moradia e a produção agrícola, são limitados. Isso foi evidenciado durante a aplicação de questionários e análise da paisagem para a composição final do diagnóstico. Outro fato registrado a partir do diálogo e entrevistas semiestruturadas com os ocupantes foi que estes se propõem à instalação de benfeitorias, caso tenham a segurança jurídica do acesso à terra. Em relação ao acesso e consumo da água, ainda existe o agravante de não se ter conhecimento sobre a qualidade da água que vem sendo captada dentro do acampamento, uma vez que parte dela está à jusante de setores industriais da cidade. Corrobora ainda com essa preocupação o perfil histórico monocultor convencional da região, que implica diretamente em processos de poluição difusa referentes a ~ 34 ~ agroquímicos aplicados nesses cultivos (PÉJON; RODRIGUES; ZUQUETTE, 2013; VON SPERLING, 2005). O acesso à água, segundo a pesquisa realizada, se dá em três frentes: i) consumo humano, ii) uso doméstico e iii) irrigação. As fontes utilizadas pelas famílias são: a represa presente no acampamento, duas áreas de nascente, além de água levada da cidade pelos acampados. Para o consumo humano, os meios de abastecimento são as nascentes e a busca na cidade. Tendo-se em vista que a água levada da cidade ao acampamento é tratada pelo SAAE (Serviço Autônomo de Água e Esgoto), sua qualidade está assegurada para os ocupantes. O problema é que o acesso a esta água carece de meios de transporte, nem sempre acessíveis aos acampados. Em relação às nascentes, ainda é um dado a ser estudado. Não obstante, há famílias que consomem a água da represa que, mesmo não sendo um ecossistema lêntico, ou seja, de água parada, é mais propensa a apresentar patógenos, como toxinas e microrganismos perigosos à saúde humana e compostos químicos precipitados e dissolvidos (VON SPERLING, 2005)2. Para o uso doméstico e irrigação, a fonte prioritária é a represa já citada, o que ainda acarreta as preocupações já expostas somadas ao limitante do transporte. Famílias acampadas mais próximas à represa 2 É importante frisar que o consumo humano é considerado um uso nobre da água, requerendo, portanto, tratamento prévio e garantia de sua qualidade (VON SPERLING, 2005). Um dos padrões que determinam isso é o IQA (Índice de Qualidade das Águas), utilizado pela CETESB (Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental), no qual, parâmetros como índice de oxigênio dissolvido, presença de coliforme totais, potencial hidrogeniônico, demanda bioquímica de oxigênio, temperatura da água, índices de nitrogênio e fósforo totais, de turbidez e resíduo total são imprescindíveis para se caracterizar a potabilidade água. ~ 35 ~ têm maior acesso do que as que residem mais distantes, estreitandose, portanto, o atendimento às necessidades dentro da moradia e a própria produção agrícola que vem sendo desenvolvida, conforme seção seguinte. As Figuras 07, 08 e 09 mostram as proporções nas quais as famílias consomem a água, de acordo com sua fonte. Figura 07. Origem da água de beber e cozinhar dos moradores do acampamento Capão das Antas. ~ 36 ~ Figura 08. Origem da água de uso doméstico dos moradores do acampamento Capão das Antas. Figura 09. Origem da água de irrigação utilizada pelos moradores do acampamento Capão das Antas. ~ 37 ~ Sobre a exposição à periculosidade sanitária, registrou-se que, para o consumo humano, apenas 32% das famílias têm acesso a água tratada pelo SAAE por meio de ligações não convencionais e transporte da cidade para o acampamento. O restante das famílias, em sua maioria, capta água das nascentes presentes na área, sendo que apenas duas delas o fazem na represa. Para uso doméstico, estes valores se invertem: 52% das famílias utilizam água da represa, enquanto 26% captam das nascentes e 20% utilizam água fornecida pelo SAAE. Como 86% das famílias cultivam horta e lavoura, calculou-se que cerca de 62% dessas famílias irrigam sua produção com água coletada na represa, 25% o faz com a das nascentes e 11% utilizam a água fornecida pelo SAAE, como nos usos anteriores. Estes índices são preocupantes, pois as nascentes não ap ese ta àáPP’sà ã easàdeàP ese vaç oàPe a e te à o se vadasàe à sua maior parte devido, principalmente, à presença de plantações de eucalipto anteriores à ocupação e atualmente abandonadas. Além disso, o fato da represa estar à jusante de indústrias e em área de plantio convencional de eucalipto também instiga levantamentos, pois não se tem informações relacionadas a possíveis indícios de contaminação por efluente industrial ou por lixiviação de agroquímicos, aplicados em períodos anteriores. É importante ressaltar que a Comissão do Meio Ambiente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) já protocolou notificação junto a CETESB, requisitando análise da água da represa e não obtendo resposta a essa demanda (SOARES; SOARES, 2015). Segundo Von Sperling (2005), represas que cumprem várias funções, como por ~ 38 ~ exemplo, abastecimento, irrigação e recreação, devem satisfazer simultaneamente a diversos critérios de saneamento. Quanto aos resíduos gerados no acampamento, os dados levantados na pesquisa mostraram que as águas cinza e negra, respectivamente de uso doméstico e sanitário, são destinadas às fossas comuns, identificadas como fossas caipiras. Algumas famílias vedaram suas fossas com tambores. Ressalta-se que a maioria demonstrou interesse em adotar medidas ecológicas de saneamento rural, como banheiros secos, jardins filtrantes e fossas de bananeiras, e só não o fazem devido à instabilidade jurídica sobre o uso do local, dada a possibilidade de sofrerem reintegração de posse e perderem o investimento. Em relação a resíduos, os orgânicos são destinados à compostagem e alimentação de criações, os recicláveis são vendidos na cidade e os demais são queimados ou levados até o núcleo urbano do município. É importante salientar que é dada prioridade à reutilização na própria reprodução material dos acampados, como é o caso da compostagem destinada à produção agrícola e da reciclagem. As Figuras 10 e 11, a seguir, mostram as proporções de destinação e de disposição final dos resíduos gerados no acampamento, segundo registro colhido no levantamento realizado e caracterização de acordo com o PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos) (SOUTO; POVINELLI, 2013). ~ 39 ~ Figura 10. Destinação do esgoto doméstico do acampamento Capão das Antas. Figura 11. Destinação e disposição dos resíduos sólidos do acampamento Capão das Antas. ~ 40 ~ Sobre as condições de habitação, cabe ressaltar que as famílias residem em moradias compostas em sua maioria por chapas prensadas de madeira, lonas, materiais recicláveis e reutilizáveis, e telhas de fibrocimento (Figuras 12 e 13). Em geral, são barracos que variam em sua complexidade de acordo com o tempo da família no acampamento. A precariedade de vedação resulta em infiltração, entrada de insetos e/ou animais peçonhentos e outros agravantes relacionados diretamente à saúde dos ocupantes. Figura 12. Infraestrutura de uma casa no Acampamento Capão das Antas. Fonte: NUPER-UFSCar. ~ 41 ~ Figura 13. Infraestrutura de uma casa no Acampamento Capão das Antas com horta. Fonte: NUPER-UFSCar. Diante do exposto e considerando-se a presença de crianças e idosos, como relatado no capítulo anterior, a luta pela terra por parte destas famílias se tornou uma questão de sobrevivência em suas trajetórias e as dificuldades pelas quais passam são consideradas menos deletérias que a lógica urbana. Neste sentido, segundo os relatos, é marcante a resistência destas pessoas pela permanência na terra como condição sine qua non para a melhoria das condições objetivas e subjetivas de sua reprodução social, material e simbólica. A despeito da falta de infraestrutura, existem famílias presentes no acampamento há quatro anos, sobrevivendo, plantando e criando; e em muitos casos, inclusive, gerando excedentes passíveis de serem escoados e comercializados no mercado alimentício de São Carlos. Contudo, assim como enfrentam diversas dificuldades para produzir, a ~ 42 ~ exemplo da irrigação e correção do solo, também encontram empecilhos na comercialização tais como o transporte e a discriminação enfrentada por sua condição de acampados ou, como são comumente chamados, sem-terras. Somadas as condições precárias de infraestrutura para sobrevivência e produção, sem transporte e com dificuldades na comercialização, é natural que muitas das famílias busquem renda em atividades remuneradas não agrícolas no espaço urbano, em setores de elevada superexploração da força de trabalho, com baixas remunerações. Dadas as condições relatadas até aqui, conclui-se que é muito difícil para os ocupantes da área garantir condições de reprodução material apenas a partir da terra. Sendo assim, estes indivíduos se veem obrigados a buscar fontes de renda urbana, enfrentando assim trabalhos provisórios e sem direitos trabalhistas. Não obstante o elevado volume de dificuldades ao exercício pleno da cidadania, outro grande obstáculo enfrentado pelas famílias durante esse tempo de acampamento tem sido a comprovação de endereço em São Carlos. Isto se reflete na dificuldade em conseguir emprego, receber correspondências ou, até mesmo, matricular as crianças nas escolas. Diante disso, ressalta-se, por fim, que qualquer produção agrícola na área seria uma prova indicativa da potencialidade da destinação da área para a lógica da agricultura familiar. Todavia, o que se observou é uma produção expressiva que, se incentivada com segurança jurídica, pode se ampliar significativamente e contribuir tanto para a reprodução social e material das famílias atualmente ~ 43 ~ acampadas como para fortalecer um cinturão verde que ofereça alimentos baratos e saudáveis para o município de São Carlos. ~ 44 ~ 5. Perfil produtivo das famílias do Acampamento Capão das Antas A vocação para a produção agrícola das pessoas que integram o Acampamento Capão das Antas e a forma como sua produção está organizada permitiram uma grande variedade de cultivos e de criação de animais, ambos voltados para a alimentação das famílias e das comunidades ao redor. Como apresentado nos capítulos anteriores, o acampamento é formado por famílias com histórico de vulnerabilidade social e econômica, consequência da sua baixa renda mensal e da precariedade da infraestrutura pública que deveria auxiliá-los. Contudo, são pessoas com grande conhecimento sobre o trabalho na terra e dispostas a fazer desta uma importante fonte de subsistência e de renda. Esta afirmação é confirmada quando se analisa os dados provenientes do questionário sobre a produção agropecuária do Acampamento Capão das Antas. Analisando a Figura 14, pode-se ver que são absolutamente produtivas, considerando que, das 95 famílias acampadas, 88 possuem algum tipo de produção, correspondendo à 92,63% do total, e somente 7 famílias não produzem. Porém, quatro dessas estão no acampamento por um período inferior a dois meses. Esta informação é importante, pois o tempo de morada no acampamento é determinante para a produção agrícola, se considerarmos que a prioridade é a construção da moradia e a obtenção de sementes e ferramentas para a lida com a ~ 45 ~ terra. Aliada ao tempo curto para que estas prioridades sejam atendidas, também deve-se considerar que a condição financeira das famílias é um limitante sempre presente, o que pode atrasar ainda mais o início do plantio e da criação de animais. Figura 14. Relação das famílias com e sem produção no acampamento Capão das Antas. Antes de continuar a discorrer sobre o potencial produtivo do acampamento, deve-se analisar esses quatro casos específicos, pois a produção agrícola dos acampados é uma fonte importante de sua subsistência, mas, uma vez que são ingressantes e ainda não conseguiram alimentos do trabalho na terra, sua condição de vida é ~ 46 ~ extremamente precária. A situação é agravada pela presença da monocultura de eucaliptos na área do acampamento, que precisa ter sua raiz destocada do solo para viabilizar o cultivo, tarefa extremamente difícil que retarda ainda mais a possibilidade de produção das famílias que forem alocadas para regiões próximas a essa plantação. Portanto, as barreiras e privações que essas pessoas devem superar são imensas, e deveriam ser o principal fator a ser considerado em qualquer decisão do poder público acerca dessa forma de organização dos trabalhadores pelo acesso à terra, fornecendo assistência técnica e financeira à produção agropecuária dos mesmos. Os outros três casos específicos também devem ser estudados com mais profundidade antes que sejam simplesmente taxados como improdutivos. Apesar de algumas exceções ponderáveis, pelo menos 92% dos acampados apresentam alguma forma de produção e este fato deve ser ressaltado, pois coloca em cheque o pré-julgamento muitas vezes feito sobre as pessoas que participam da luta pela terra quanto à sua suposta má vontade para o trabalho, que inclusive os prejudica no momento de procurar emprego. No caso do Acampamento Capão das Antas, essas famílias não só demonstram grande organização e empenho na produção agropecuária, como também se tornam uma alternativa potencial para a questão do abastecimento de gêneros alimentícios em São Carlos e região. Mas para ser considerada uma fonte de alimentos não basta produzir, é preciso que o Acampamento Capão das Antas atenda à diversidade do cardápio condicionada pela cultura dos seus moradores ~ 47 ~ e da comunidade no seu entorno, ou seja, da cultura dos habitantes da região são-carlense. O atendimento desse requisito pode ser verificado quando são analisados os dados da Tabela 2, sendo possível verificar a existência de uma grande variedade de culturas produzidas por cada família. O Acampamento Capão das Antas possui 741 produções, sendo cultivados 69 tipos de vegetais distintos e 11 produções animais também singulares, o que em média resultaria entre 7 e 8 variedades produtivas por família acampada (Figuras 15, 16, 17, 18, 19 e 20). ~ 48 ~ Tabela 2. Produção vegetal e animal das famílias residentes no acampamento Capão das Antas. ~ 49 ~ ~ 50 ~ Algumas observações devem ser feitas antes de se aprofundar na análise dessa tabela. A primeira delas é que estas famílias não receberam qualquer auxílio do Estado para que pudessem ter essa enorme quantidade de cultivos, pelo contrário, a precariedade de acesso ao acampamento e da sua própria infraestrutura (acesso à água e eletricidade precárias) são os principais condicionantes da produção, restringindo o plantio de determinados vegetais. Por isso, toda variedade de produção vegetal e animal é utilizada com frequência para o consumo da própria família, apesar de ser corriqueira a comercialização e a troca de diversas variedades, principalmente de hortaliças e animais de pequeno porte. Em segundo lugar, é importante ressaltar um indicador determinante para o sucesso da produção nesse acampamento: a ~ 51 ~ solidariedade entre as famílias. Essa observação não é feita para amenizar eventuais conflitos internos, naturais ao estado de exceção e tensão em que estas famílias são obrigadas a viver, mas sim para valorizar o ato de resistência campesina, que é criativo e estreitamente ligado à relação com a terra. Diversos relatos colhidos nas visitas dos pesquisadores ao acampamento apontam para a troca de sementes e mudas entre as famílias acampadas, além do compartilhamento da água para a produção, uma vez que esta ainda é de difícil acesso para muitas das famílias, dependendo da localização do seu lote. Por esse motivo, a cooperação parcial ou integral na produção agrícola e no compartilhamento dos seus frutos é comum nesse acampamento, o que permite entender a descrição encontrada na tabela 2 sobre a produção das famílias de número 61 e 78, e são fortemente determinadas pelas relações de parentesco e afinidade entre as famílias. Scopinho (2010), ao analisar os limites e as potencialidades das formas de cooperação encontradas em assentamentos rurais, disserta sobre a necessidade de organização dos trabalhadores, mas aponta que essa não se dá apenas por contratos formais, como associações, mas também pelo próprio cotidiano do trabalho. Quando se fala que é necessário organizar as comunidades, pode parecer que elas não possuem nenhum grau de organização, o que não é verdade porque por meio da aproximação, participação e convivência com os sujeitos pode-se perceber que, no dia-a-dia, há organização, planejamento e negociação, tomam-se decisões, encaminham-se soluções para os problemas, ou seja, há processos organizativos inerentes à dinâmica cotidiana das comunidades e dos grupos. [...]. Para refletir sobre como a ~ 52 ~ cooperação autogestionária pode ser uma forma de melhorar as condições de vida do trabalhador rural assentado, não apenas economicamente mas também em relação às outras dimensões da vida cotidiana (saúde, educação, entre outras) [...]. Do ponto de vista teórico, o pressuposto básico é o de que o trabalho socializa e constrói identidades e, do ponto de vista metodológico, os sujeitos são capazes de construir ativamente a realidade social (SCOPINHO, 2010, p.30-31). Apesar de Scopinho (2010) tirar tais conclusões analisando assentamentos já consolidados, onde existem cooperativas e associações de produtores já formalizadas, servem de subsídio para que seja possível inferir para o Acampamento Capão das Antas que a construção de identidade e de mecanismos de tomada de decisão mais democráticos tenham o seu germe na produção coletiva e solidária de pequenos grupos informais, ainda no plano da luta pela terra. Nesse sentido, a análise do trabalho e da produção no acampamento Capão das Antas é fundamental para compreender também os limites e potenciais dessa forma de organização dos trabalhadores, que visa a melhoria das suas condições de vida. Observando as informações da Tabela 3, sobre a incidência de cada variedade vegetal e animal na produção do acampamento, é possível fazer algumas afirmações sobre o trabalho e as relações sociais construídas entre os acampados e a comunidade no seu entorno. Nota-se que os números mais expressivos de produções vegetais são as hortaliças e temperos (alface, almeirão, cebolinha, couve, coentro e rúcula), vegetais e frutas de ciclo de produção curto ou médio (chuchu, abóbora, batata doce, feijão, quiabo, milho, banana e mandioca) ou ainda animais de pequeno porte (galinhas e patos). ~ 53 ~ Tabela 3. Relação das produções vegetais e animais produzidas no acampamento e o número de famílias produtoras. A partir desses dados pode-se tirar duas conclusões essenciais para a eficiência dessa forma de organização dos trabalhadores. Primeiramente, é preciso reforçar que trata-se de famílias em um nível crítico de vulnerabilidade social, portanto, a disponibilidade de capital para que seja iniciada qualquer produção é um limitante concreto da diversificação das culturas agropecuárias de cada lote. Este mesmo fator nos exige pensar que, assim como os alimentos são fundamentais para a subsistência das famílias, também é proveniente da produção do lote a complementação da renda - ou, em alguns casos, a única fonte de renda. Portanto a demanda de mercado e as restrições encontradas ~ 54 ~ no acesso ao mesmo explicam porque hortaliças são muito mais produzidas que outros alimentos, culturalmente, mais presentes no cardápio da região, como o arroz, ou mais resistentes a pragas e variações edafoclimáticas, como a batata. Por outro lado, essa afirmação deve ser relativizada quando se considera a existência marcante de temperos, o que deixa clara a necessidade que essas famílias têm de reproduzir a cultura campesina por meio da preparação dos alimentos. A cultura na preparação de alimentos é também uma primeira explicação para a grande ocorrência da cultura de mandioca, tubérculo muito comum na culinária brasileira, mas que, principalmente, pode ser estocada por longos períodos tanto sob a terra, como após processamento. A segunda conclusão, e a mais importante, é que a produção é claramente determinada pela vulnerabilidade jurídica em que estas famílias se encontram. Se a construção de casas ou sanitários de maior qualidade, como melhor discutido nos capítulos anteriores, não é feita devido ao risco de perder as economias investidas no caso de reintegração de posse, o mesmo vale para a produção vegetal e animal. Uma vez que não possuem qualquer garantia de permanência no local e os relatos e experiências sobre a reintegração de posse de outros acampamentos envolve a perda de boa parte dos bens, a produção dessas famílias é voltada para cultivos de baixa rotatividade e animais de pequeno porte, que possuem maior liquidez e facilidade de transporte. Contudo, essas famílias estão produzindo neste local com perspectiva clara de vitória na luta pelo acesso à terra. Nesse sentido, é ~ 55 ~ significativo, apesar de minoritário, o número de árvores frutíferas e animais de longa gestação no desenvolvimento produtivo dos lotes. Assim, a conclusão geral deste capítulo é de que a produção deste acampamento é significativa e variada, sendo uma potencial fonte de alimentos para a região de São Carlos. Essa finalidade pode se concretizar a médio prazo, caso se consolide como um assentamento e receba a devida assistência técnica e financeira, permitindo que a produção de alimentos de origem campesina atinja o desenvolvimento necessário para atender parte da demanda local e garanta enfim a subsistência das famílias. O ciclo curto entre produtor e consumidor, evitando longos intermediários, seria a garantia da qualidade e dos baixos custos desses alimentos, permitindo o desenvolvimento sustentável da região. Mas, para que isso ocorra, é fundamental que insegurança gerada pela instabilidade jurídica do acesso à terra seja sanada, o que só ocorrerá quando houver o assentamento definitivo dessas famílias, dando a elas a infraestrutura de saneamento, educação e saúde, além de assistência técnica para que sua produção seja competitiva no mercado e voltada para a agroecologia, protegendo o meio ambiente. ~ 56 ~ Figura 15. Plantação de diversas variedades de alface e outras hortaliças no acampamento Capão das Antas. Fonte: NUPERUFSCar. Figura 16. Placa de venda de hortaliças no acampamento Capão das Antas. Fonte: Observatório de Conflitos Rurais de São Paulo. ~ 57 ~ Figura 17. Morador do acampamento Capão das Antas na plantação de batata doce, ao fundo, alguns pés de milho e feijão andu. Fonte: Observatório de Conflitos Rurais de São Paulo. Figura 18. Plantação de milho no acampamento Capão das Antas, ao fundo a produção de hortaliças ao lado de uma moradia. Fonte: Observatório de Conflitos Rurais de São Paulo. ~ 58 ~ Figura 19. Criação de galinhas no acampamento Capão das Antas. Fonte: NUPER-UFSCar. Figura 20. Criação de suínos no acampamento Capão das Antas. Fonte: NUPER-UFSCar. ~ 59 ~ ~ 60 ~ 6. Antropização e conservação: desenvolvimento socialmente justo e ambientalmente correto A fazenda Capão das Antas, com seus 223,19 hectares de extensão, é considerada uma área de reserva florestal legal.3 Sendo assi ,à elaà est à su etidaà sà o asà ueà ege à estasà eas,à não podendo nela serem feitas quaisquer exploração ou uso, a não ser com prévia autorização da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo” segundo consta na Ação de Reintegração de Posse com Pedido Liminar/2011 (SOARES; SOARES, 2015). A Figura 21, ajuda na delimitação da área ocupada dentro dos limites da propriedade. 3 Segundo processo judicial nº 0020201-81.2011.8.26.0566 que tramita na Vara da Fazenda Pública. ~ 61 ~ Figura 21. Delimitação aproximada indicando a área ocupada, os rios e os limites da propriedade onde está situado o acampamento Capão das Antas. Fonte: Soares e Soares (2015). A região é parte da Área de Proteção Ambiental Corumbataí Botucatu e Tejupá, dentro do Perímetro Corumbataí, sendo, portando, ~ 62 ~ território já delimitado para uso controlado do solo, como estabelece a Lei Nº 9.985, de 18 de julho de 2000, a Lei do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação) referente a esta categoria de unidade de conservação. As Figuras 22 e 23 localizam o Perímetro Corumbataí da APA, assim como a fazenda Capão das Antas e o acampamento dentro dos limites. Figura 22. Área de Preservação Ambiental Corumbataí Botucatu e Tejupá, Perímetro Corumbataí. Fonte: Observatório WWF (2015). ~ 63 ~ Figura 23. Área total do acampamento e sua localização dentro dos limites da APA Corumbataí. Fonte: Soares e Soares (2015)4. O Capão das Antas, ao mesmo tempo em que materializa um forte conflito entre a conservação versus a antropização em São Carlos, também se apresenta como um lócus privilegiado na construção de políticas locais de desenvolvimento socialmente justo e ambientalmente correto. A área ocupada encontra-se dentro dos limites da Área de Proteção Ambiental Corumbataí, na qual não está 4 Informações obtidas com agentes representativos sobre a temática advertiram sobre possíveis diferenças na linha que indica o limite da APA Corumbataí. Entretanto, mesmo considerando estas possíveis diferenças, elas não alterariam nenhuma inferência ou conclusão deste diagnostico. ~ 64 ~ impedida a atividade humana, antes pelo contrário, está restrita, segundo o artigo 2º da Lei Nº 9.985/2000, ao: (...) manejo do uso humano da natureza, compreendendo a preservação, a manutenção, a utilização sustentável, a restauração e a recuperação do ambiente natural, para que possa produzir o maior benefício, em bases sustentáveis, às atuais gerações, mantendo seu potencial de satisfazer as necessidades e aspirações das gerações futuras, e garantindo a sobrevivência dos seres vivos em geral (Brasil, 2000). A presença humana e sua intervenção direta na antiga fazenda Capão das Antas, e em suas imediações, podem ser observadas no mapa de uso e ocupação do solo da Figura 24. Primeiramente, pode-se observar a presença de atividades industriais, com significativo potencial de impacto ambiental, à montante do córrego que passa pela área na qual os acampados residem. Além disso, é possível se notar a presença de monoculturas ativas, como de Pinus, e abandonadas, como de Eucalipto. ~ 65 ~ Figura 24. Mapa de uso e ocupação do solo da propriedade rural Capão das Antas5. De acordo com o Decreto Estadual Nº 20.960, DE 8 DE JUNHO DE 1983, com a Fundação Florestal (2011) e com o Observatório de Unidades de Conservação, ainda não há um plano de manejo da APA em questão dentro do Perímetro Corumbataí. Além disso, segundo o Ministério do Meio Ambiente, o pacto federativo e o Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) definem o zoneamento ecológicoeconômico (ZEE) como uma ação conjunta entre a União, estados e municípios, sendo estes responsáveis pela elaboração do plano diretor, observando-seàosà)EE’sàj àfo uladosàpelosàestados. No caso do estado 5 Este mapa encontrava-se em atualização, ainda inconclusa, no momento da redação final deste diagnóstico. ~ 66 ~ de São Paulo, o zoneamento ecológico-econômico ainda está em andamento para o interior. Dessa forma, ainda são necessários levantamentos técnicos oficiais que definam as áreas internas ao perímetro favoráveis a atividades agrosilvopastoris, tanto em modelos de agricultura familiar como de grandes propriedades monocultoras. Não obstante a possibilidade da ação humana em áreas de conservação, várias são as ferramentas que possibilitam a mitigação dos impactos ambientais decorrentes de tais atividades. Essas podem ser aplicadas dentro de uma perspectiva na qual o poder executivo municipal tenha como meta encontrar o equilíbrio entre a atividade humana e a proteção do meio (SOARES; SOARES, 2015). Neste sentido, abre-se aqui uma chave de entendimento deste acampamento enquanto uma situação dicotômica ou dual expressa no binômio conservação sem antropização versus antropização sem conservação. Pretende-se, nestas considerações finais, reforçar que esta dualidade é limitadora do desenvolvimento sustentável, ambientalmente correto e socialmente justo. A seguir, a Figura 25 apresenta a proporção entre os usos e a ocupação do solo dentro da propriedade Capão das Antas em termos de área. No que concerne à discussão sobre a convivência sustentável entre o meio e o ser humano, ou seja, a conservação ambiental, o gráfico possibilita que se observe a presença de tal situação enquanto potencial nesse território, onde o uso e a ocupação do solo têm se dado de maneira integrada à preservação ambiental. ~ 67 ~ Figura 25. Principais classes de uso e ocupação do solo em termos de área. Os estudos sobre o desenvolvimento territorial que englobam as perspectivas tanto do rural como do urbano no planejamento deixam claro que as definições entre os dois meios estão mais complexas e interligadas. Antes, em muitas interpretações, o rural e o urbano eram conceitos antagônicos: o urbano era o espaço da modernidade e do edificado e o rural o sinônimo do atraso ou da natureza pura. Entretanto, as relações de interdependência entre estas duas categorias estão mais densas e visíveis, contribuindo com um novo modo de ver o território enquanto convergência geradora de sinergias positivas, abrindo caminho para interpretações mais adequadas sobre o desenvolvimento rural-urbano (CARVALHO, 2007). ~ 68 ~ Uma visão não integradora do território entende que o intercâmbio econômico, social e cultural entre urbano e rural é fluido e hierarquizado pelo primeiro. No fluxo entre estes dois campos, o rural fornece ao urbano o excedente comercializável e busca os produtos que, por várias limitações, não podem ser produzidos no rural. As interpretações dicotômicas do planejamento apresentam imbricações residuais entre o rural e o urbano sem significativas relações socioeconômicas e culturais capazes de alterar a configuração do território. Neste sentido, pensar o planejamento municipal a partir desta concepção dual é, primeiro, desconsiderar a realidade territorial contemporânea e,, em segundo, perder a possibilidade de avançar no planejamento integrado do território em uma escala privilegiada (a saber: a municipal). A perspectiva integradora do território dá a devida importância ao crescente imbricamento entre o urbano e o rural. Nestes marcos analíticos, o Acampamento Capão das Antas pode ter um papel estratégico no planejamento para o desenvolvimento local sustentável. Neste sentido, a elaboração de políticas públicas que têm como ponto de partida o rural devem incorporar a noção de desenvolvimento territorial imbricado. É comum o poder público municipal remeter questões de responsabilidade federal aos órgãos executivos nacionais, tendo as ocupações de terras como exemplos. Como a reforma agrária é, em tese, de responsabilidade federal, os municípios com registro de ocupação atribuem ao INCRA a responsabilidade sobre a área, mesmo em fases de ocupação. Entretanto, é no município que a luta pela terra ~ 69 ~ se expressa, acontece e traz consequências positivas e negativas e, neste sentido, o poder público municipal também pode antecipar soluções pacíficas, democráticas e que contribuam com o desenvolvimento socioeconômico. Inovações jurídicas e institucionais já existem e permitem a construção de pactos sociais, com respaldo legal, para avançar no planejamento público do desenvolvimento municipal. Entre muitos outros exemplos, os Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) são ferramentas funcionais neste intuito. No município de Ribeirão Preto, por exemplo, em uma área de recarga do aquífero Guarani e, portanto, de fundamental preservação, foi instalado um assentamento com uma antropização de 464 famílias. Isso foi possível graças à disposição do poder público municipal, INCRA e movimentos sociais, intermediados pelo Ministério Público, em pactuar pelo desenvolvimento sustentável. Ali foi assinado um TAC, em fevereiro de 2007, pela Promotoria de Justiça do Meio Ambiente e de Conflitos Fundiários com atuação na Bacia Hidrográfica do Rio Pardo, pela Promotoria de Justiça do Meio Ambiente e de Conflitos Fundiários com atuação na Bacia Hidrográfica do Rio Pardo, pela Promotoria de Justiça da Comarca de Cravinhos, pela Superintendência Regional do INCRA no Estado de São Paulo e pelos assentados, na Câmara Municipal de Ribeirão Preto (CARVALHO, 2011). Esta iniciativa garantiu o assentamento deste expressivo contingente de famílias, em consonância com os interesses da proteção e preservação ambiental em um contexto de antropização com conservação. ~ 70 ~ São notórios os estudos feitos sobre os impactos dos assentamentos rurais na dinâmica regional e municipal. Percebem-se efeitos positivos sobre a renda, o mercado de consumo local e o aumento dos fluxos comerciais, que, por sua vez, induzem possíveis diversificações na base econômica da região. Cria-se nova infraestrutura e gera-se uma maior agregação de valor nas atividades locais. Não existe um assentamento rural descolado de uma área urbana (por mais distante que ele esteja), ambos se integram socioeconomicamente e culturalmente, implicando laços sinérgicos positivos em um círculo virtuoso entre rural e urbano. Neste sentido, este estudo ratifica que, na elaboração de políticas públicas que primem pelo desenvolvimento sustentável, deve-se ter claro que existem relações indissociáveis entre o rural e o urbano que podem ser dinamizadas. Só a partir disto pode-se criar elementos estruturais de desenvolvimento municipal, frutos de políticas públicas validadas socialmente, com rebatimentos locais e planejamento integrado. ~ 71 ~ ~ 72 ~ Referências BRASIL. Agência Nacional de Águas (ANA). Indicadores de qualidade – Índice de Qualidade da Água. Disponível em: <http://portalpnqa.ana.gov.br/indicadores-indice-aguas>. Acessado em 10 de agosto de 2015. BRASIL, Estado de São Paulo. Decreto nº 20.960, 8 de junho de 1983. Declara área de proteção ambiental a regiões situadas em diversos municípios, dentre os quais Corumbataí, Botucatu e Tejupá, 1983. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n.º 518 de 25 de março de 2004. Normas e Padrão da potabilidade de água destinada ao consumo humano. 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Segundo Martins e Theóphilo (2009) a pesquisa diagnóstico tem o caráter de levantar e definir as questões de um determinado local. Neste caso foi realizado um diagnóstico sócio-produtivo-ambiental do Acampamento Capão das Antas, com o intuito de definir a situação existente no local, até a data do presente estudo. A equipe de pesquisa foi composta por profissionais de diversas áreas do conhecimento, tais como economia, ciências sociais, engenharias de produção e ambiental, direito e biologia. A formação desta equipe interdisciplinar permitiu a compreensão do acampamento em diversos aspectos que encontram-se correlacionados, são eles: aspectos sociais; ambientais; econômicos e produtivos. ~ 77 ~ Esta pesquisa se desenvolveu em algumas etapas: trabalho de campo para primeira compreensão da área e de suas especificidades sociais e ambientais, construção de instrumentos de coletas de dados, entrevistas em profundidade e teste dos instrumentos desenvolvidos, coleta de dados, caracterização ambiental, tabulação e análise dos dados. O trabalho de campo trata-se de um método necessário quando a obtenção de informações só pode ser atingida por este meio. Este método pode ser utilizado para se obter dados ambientais, sociais e relacionados a produção do acampamento. Foram realizadas idas a campo nos meses de maio, junho e julho de 2015. A construção do questionário como instrumento de coleta de dados foi realizado através de reuniões com a equipe interdisciplinar, nas quais pode-se identificar as interrelações dos aspectos ambientais, produtivos e sociais. A equipe em alguns momentos se dividiu em três grupos de trabalho: ambiental, social e produtivo. Neste momento os grupos elaboraram propostas para serem discutidas entre toda equipe, que posteriormente elaborou um único questionário integrando as questões que se relacionavam. A maior parte das questões foram formuladas com base em construção de tabelas, outras foram questões abertas e ainda questões fechadas. Os dados apresentados no decorrer do trabalho, sem fontes especificadas, são provenientes de levantamento próprio, portanto, dados primários. Em 28 de junho de 2015, uma parte reduzida da equipe esteve no local para levantar dados primários e para realizar o teste do questionário com 3 famílias. E também foram realizadas entrevistas em ~ 78 ~ profundidade com lideranças identificadas no acampamento antes da aplicação dos questionários para compreender historicamente este a a pa e to.à áà e t evistaà e à p ofu didadeà Possi ilitaà u aà compreensão mais ampla da atuação dos indivíduos no ambiente social ... à aoà fo e e à u aà oç oà daà ealidadeà fo alà eà i fo alà ... à (MARTINS; THEÓPHILO, 2009). Após ajustes, para os dados socioeconômicos e produtivos foram aplicados os questionários nos dias 4 e 5 de julho de 2015. A aplicação foi realizada por integrantes dos grupos de pesquisa envolvidos e por outros interessados, e todos passaram por um treinamento anteriormente. Os questionários são instrumentos importantes para a coleta de dados em pesquisa social (MARTINS; THEÓPHILO, 2009). Estes consistem em um conjunto de questões elaboradas e ordenadas por toda equipe, com a finalidade de obter informações sobre a situação de vida dos acampados. Este estudo buscou abranger a população em sua totalidade, tendo assim um caráter censitário. Através do questionário pode-se traçar o perfil dos moradores, a dinâmica migratória dos mesmos, a condição do acesso e uso da água, a forma de destinação do lixo, relação dos moradores com o uso da terra para atividades agrícolas e agropecuárias, bem como a identificação dos maiores problemas da área e as motivações que os levaram ao acampamento. A análise dos questionários permitiu análises quantitativas e qualitativas da situação do Acampamento do Capão das Antas. Quanto à caracterização ambiental da área, foram feitas visitas té i asàaàfi àdeàseàleva ta àpa et osà o oàaài teg idadeàdasàáPP’sà (Áreas de Preservação Permanente), presença de reserva legal, e ~ 79 ~ impactos ambientais gerados independentemente do acampamento, de modo a se identificar a relação do acampamento com o meio. ~ 80 ~ Questionário socioeconômico aplicado ~ 81 ~ ~ 82 ~ ~ 83 ~ ~ 84 ~ ~ 85 ~ ~ 86 ~ ~ 87 ~