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Crítica | Tropa de Elite

por Luiz Santiago
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Quando foi lançado, em 2007, Tropa de Elite causou um tremendo reboliço. Primeiro longa-metragem de ficção do diretor carioca José Padilha (que dividira público e crítica com o documentário Ônibus 174), Tropa chegou mais cedo do que deveria às telas. Uma cópia do filme foi vazada antes do lançamento oficial nos cinemas, que, quando aconteceu, bordões como “você é um fanfarrão“, “pede pra sair” e “perdeu, playboy” já haviam viralizado e muita, muita gente já tinha assistido ao filme… em casa.

Se não conseguiu o desempenho que queria (e merecia!) nas bilheterias, Padilha conseguiu que seu filme fosse falado, criticado e disseminado pelo país a fora. Das frases de efeito do protagonista, interpretado com aplaudível entrega por Wagner Moura, às inúmeras críticas — positivas e negativas — direcionadas ao seu conteúdo, Tropa de Elite fez história e ficou marcado no imaginário brasileiro como poucos filmes ficaram, formando aí uma tríade (debatível) com Central do Brasil (1998) e Cidade de Deus (2002) dentre os mais lembrados do cinema nacional.

Baseado no livro escrito pelos ex-oficiais do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais) André Batista e Rodrigo Pimentel e pelo antropólogo Luiz Eduardo Soares, o longa retrata a situação da polícia do Estado do Rio de Janeiro vista pelos olhos do Capitão Nascimento (Moura), na ocasião da visita do Papa João Paulo II ao Brasil, em 1997, visita famosa pela missa campal no Aterro do Flamengo, feita para 2 milhões de pessoas. Através de uma costura engenhosa do roteiro, que parte de um tiroteio no mesmo bloco em que toca o Rap das Armas, o texto dá uma pausa e nos apresenta acontecimentos de meses antes, destacando a vida pessoal de Nascimento, sua recusa em falar de problemas pessoais, sua relação com a esposa e a crise nervosa vinda pelo aumento de responsabilidade com a “missão do Papa” e a proximidade do nascimento de seu filho.

Juntamente com a história de Nascimento e suas opiniões sobre “O Sistema”, sua narração sobre a corrupção dentro da Polícia e o que ele, no BOPE, tem feito para mudar esta realidade, vemos uma bifurcação no enredo, que encaixa de maneira não muito orgânica e em detrimento da apresentação de outros problemas na Corporação, que trariam bem mais benefícios para o filme, os aspirantes Matias (André Ramiro) e Neto (Caio Junqueira) ambos em excelente interpretação. De comportamento e visão de mundo distintas, unidos por uma amizade de infância e pelo fato de serem policiais honestos, Matias e Neto são destacados no roteiro como os possíveis substitutos de Nascimento. É erguida então uma tríade moral que atende ao gosto de diversos grupos que assistem à obra.

O filme cresce diante de uma boa dose de exploitation e ativa discussões que, se já eram polêmica em 2007, iriam se tornar pauta social, com representação política em baderna e polarização de opiniões nos anos seguintes. A forma como a ONG é apresentada, a linha não necessariamente formal do roteiro sobre os tão ironizados Direitos Humanos em aplicação social — visto através de um trabalho sobre Vigiar e Punir, do Foucault –; o tom do discurso de Nascimento (que, obviamente, faz a análise para a questão da bandidagem pelo olhar de quem está incumbido de confrontá-la) e a violência mostrada serviram de ingredientes para inúmeros debates a respeito da Segurança Pública, do trato com o tráfico de drogas e da endêmica corrupção nos meios oficiais, algo que em Tropa de Elite 2 se tornaria ainda mais evidente.

Mas para além dos debates, Tropa de Elite é um filme para entreter. Não há um momento em que o espectador se sinta “abandonado”, entediado. O público até espera uma desaceleração na reta final da obra, mas ela não vem a tempo de impactar negativamente o filme. Os poucos minutos em que aparece, de fato no finalzinho da fita, são engolfados pelo close no rosto de Matias e o fade out quase lírico — e um bocado irônico — com a explosão da luz do sol na tela acompanhada do som de um tiro.

Não é apenas pelo que traz para pensar que o filme se destaca, mas também pela maneira como o diretor expôs essas coisas. A despeito dos problemas de construção de roteiro (com focos que se perdem, como as cenas na Universidade; e coisas que são sugeridas e abandonadas, como o cotidiano de Matias e Neto fora da Corporação), o filme é dirigido com extrema agilidade, com uma câmera o tempo inteiro inquieta, sem aquela sensação de exagero, simplesmente porque este uso faz sentido aqui; e tem uma fotografia noturna excelente assinada por Lula Carvalho, explorando o máximo a tonalidade das lâmpadas incandescentes dos morros, da predominância fluorescente na “parte pacífica” da cidade e marcando todo o resto com uma exposição crua, de tratamento realista da imagem, dando a sensação de que estamos vendo a cenas de um documentário, o que é destacado pela narração professoral (no geral, incômoda) do Capitão Nascimento.

Servindo tanto como cinema de massas como cinema de denúncia; opondo os que o acham mais um “filme favela” daqueles que vêm nele um caminho para problematização da violência, suas causas e consequências; Tropa de Elite é, sem sombra de dúvidas, um filme marcante. As muitas formas de violência e a veracidade com que elas são tratadas acabam tendo para nós um efeito de aproximação pelo medo e pela identificação, porque mesmo que não vivamos diariamente a situação dos morros, sabemos que os tentáculos da violência urbana vazam dos lugares onde ela realmente explode e acabam atingindo a todos, do isentão good vibes que marcha pela paz mas compra mercadoria de bandidos, até os políticos traficantes e viciados que, a despeito de tudo, se mantém no poder, sustentando e aumentando leis que garantam que quase nada deste cenário mude. Pois é. Tragédia pouca é bobagem.

Tropa de Elite (Brasil, 2007)
Direção: José Padilha
Roteiro: Bráulio Mantovani, José Padilha, Rodrigo Pimentel (baseado na obra de André Batista, Rodrigo Pimentel e Luiz Eduardo Soares).
Elenco: Wagner Moura, André Ramiro, Caio Junqueira, Milhem Cortaz, Fernanda Machado, Maria Ribeiro, Paulo Vilela, Fernanda de Freitas, André Felipe, Fábio Lago, Erick Oliveira, Patrick Santos, Rafael d’Avila, Roberta Santiago, Emerson Gomes, Murilo Elbas, Juliano Cazarré, Nathalia Dill, Otto Jr., Álamo Facó
Duração: 115 min.

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