Bomba semiótica

eco

O conceito de “bomba semiótica” tem sido usado como ferramenta de análise pelo professor de comunicação Wilson Ferreira. Segundo ele é uma das ferramentas para analisar o fenômeno da guerra híbrida empalmada pela direita e pouco compreendida pela esquerda. O artigo resposta do Wilson Ferreira Bomba Semiótica! esclarece o conceito e também a retrospectiva de 51 artigos do mesmo Wilson Ferreira: Bombas semióticas brasileiras (2013-2016): por que aquilo deu nisso?)

chico-pinheiro-moro-globoNeste momento temos, ao que parece, uma bomba semiótica (o vídeo do Chico Pinheiro) em plena atividade. Uma bomba semiótica, ao contrário de um petardo concreto, é um artefato abstrato e muitas vezes virtual (que é o concreto do abstrato vertido para as redes sociais, tornando-se quase ‘palpável’), primeiro explode para convergir a atenção para um fato midíático, um não-acontecimento, de preferência por ser algo que não pode ser verificado (nem corroborado e nem desmentido). Mas o efetivo ocorre após a explosão onde as narrativas , sua ‘fumaça’, pipocam sem tocar o cerne intencional oculto de uma bomba semiótica que pode ser para esconder algo ou para, com o mesmo objetivo, desviar os olhares. Uma autêntica ‘bomba de efeito moral’ sem fumaça. A bomba semiótica é apenas um artefato de uma guerra híbrida. Podem ser montadas e disparadas com grande intencionalidade ou com um grande senso de oportunidade. O ‘texto’ do Chico Pinheiro pode ter sido visto como uma oportunidade. Quem vazou pode não ter tomado a decisão sozinho. Se tomou seria apenas um golpe de sorte ela ser tão convincente. Mas pode ter feito consultas antes de vazar. Assim como um operário não sabe se um parafuso vai servir para montar uma máquina do ‘bem’ ou uma mortífera arma de destruição Chico Pinheiro pode ter sido o inocente útil. Ou, caetaneamente falando, não…

Chico Pinheiro, cujo pai, com cerca de 90 anos, recentemente se filiou ao PSOL em solidariedade ao que aconteceu à Marielle, tem um vídeo vazado de um grupo da rede social do Whatsapp. O Whatsapp não é mais simplesmente um trocador de mensagens mas uma rede social com textos de 140 caracteres e anexos de imagens, documentos e vídeos de fácil acesso e uso dependente diretamente de dispositivos móveis dando lhe o caráter quase ‘divino’ por ser quase ubíqua, onisiciente e onipotente. No vídeo ele não aparece como vídeo mas sua voz e imagens são inseridas. Parece uma montagem e é associado a um texto. Veja o vídeo abaixo (Só com áudio. Mais abaixo há outro com mais imagens e que se revela ainda mais parecido com uma montagem deliberada e altamente intencional. Neste as câmeras nascendo do horizonte, uma imagem do ‘apocalipde global’, usa a semiose típica da Globo como argumento. Talvez seja uma ‘assinatura’ reveladora dos verdadeiros autores) cujo link foi obtido do artigo Áudio atribuído a Chico Pinheiro abre crise na Globo.

Inicialmente nos emocionamos com o título da ‘manchete’: Áudio atribuído a Chico Pinheiro abre crise na Globo. Pensamos esperançosamente que no ninho da serpente havia um mangusto. A crise na Globo nos anima. O ‘fetiche’, pronunciado repetidamente, reverberando, parecendo algo como feitiço mal pronunciado para os que não conhecem o seu significado, vai aglutinando a ideia de uma indignação. E o desespero da frase ‘e o que vão fazer agora’ parece se irmanar com as nossas próprias dúvidas. Não sabemos se a dúvida sobre o que ‘eles’ vão fazer se referem aos que botaram Lula na cadeia ou aos que não o queriam lá. Que o Lula tenha calma. Já que se entregou na hora que quis aguarde a hora certa também para sair. Quando for a hora. E quem vai ‘marcar a hora’, cara-pálida? Invoca inspiração divina e calma para Lula. O tom paternalista esta implícito. Afinal Lula nunca dormiu, quando era criança, num lugar tão confortável como uma tranca. Sugere uma passividade. Como se fosse um jogo de xadrez onde agora o lance estivesse no mando do adversário. E não como na vida real onde o jogo é feito de lances simultâneos. Afinal ‘a direita não tem o que fazer’. Uma contradição. Por que esperar um lance de quem não tem o que fazer? Para dar tempo para que acabe descobrindo o que fazer? Lula está bem guardado. Protegido. E afinal, caminhando por aí, espiritualizado como uma idéia, livre, no ‘nosso lar’. Completamente seguro. Como estão seguros os que estão nas camisas de força. Afinal ‘seguro’ pode ser lido como ‘preso’. Lula está completamente preso. Lula como uma ideia solta, que não se prende, apenas o corpo está seguro. Um Lula espiritualizado. Um espírito. Mais para uma alma penada, se me permitem o trocadilho. Com o isolamento que vão implementar para amordaçar o completamente seguro Lula nossa única esperança é uma sessão espírita. Calado e completamente seguro ficará difícil , talvez, confirmar a sua morte física ou virtual efetiva, a não ser num centro espírita. Se ele baixar num aparelho significa que já não está entre nós. Seria preciso inventar um espiritismo que desse voz aos mortos virtuais da guerra híbrida. Ainda matam marielles fisicamente mas para um cadáver tão grande quanto o de Lula, que não cabe numa cova simples ou indigente, só uma morte virtual ou ‘híbrida’.

A fala continua com o pesadelo ‘deles’. A todo momento pensava em quem seriam ‘eles’. Como se estivesse lendo o ‘Pêndulo de Foucault’, do Umberto Eco, minha mente sempre trocava personificação do ‘eles’ oscilando pendularmente numa paranóia maniqueista esquizofrênica, onde ‘eles’ ora eram os opositores de Lula e ora eram os aliados de Lula. O ‘papo de bar’ continua, com a voz do Chico parecendo um pouco empastada, uma ilusão do nosso cérebro ‘demente’ por causa do bombardeio incessante de pós-verdades a que foi submetido. Um outro nome para ‘bombas semióticas’?

O quadro de confusão que é apresentado pela detonação incessante das bombas semióticas se parece com um pesadelo a la Memórias encontradas numa banheira, do Stanislaw Lem., onde ‘O narrador vive numa sociedade de antiutopia onde nada é o que parece, o caos comanda todos os acontecimentos e toda a gente vive em suspeita paranóica do vizinho.’.

Seria um exercício interessante trocar os ‘eles’ no texto e, talvez, verificar que, a menos de algumas poucas frases, faria sentido dado o grau de ambiguidade que exala do mesmo. Depois canta ‘quando um muro separa uma ponte une…’ e eu fico maluco quando descubro está cantando uma versão truncada da música Pesadelo, de Paulo César Pinheiro. Escuto ‘quando um Moro separa uma ponte une…’. Um pesadelo… Com ‘ponte’ e tudo. Lembra a ‘ponte para o futuro’. E um omitido ‘Você me prende vivo, eu escapo morto’ martela. Vade retro!

Este texto do vídeo mereceria uma hermenêutica mais apurada do que a exegese que esbocei acima. O que parece uma brincadeira maluca talvez seja fruto de um irracional instinto que nos aconselha a prestar atenção nos sinais espalhados na narrativa e no contexto. Há algo de podre neste reino onde explodem as bombas semióticas. Um bomba semiótica pode ser híbrida e complexa. Partes dela podem estar misturadas com coisas aparentemente inocentes. A sorte é que são confeccionadas às pressas, como um frankstein, e, por sua complexidade, não funcionam tão bem quanto as molotovs embora queiram ser incendiárias de mentes e corações. Todas essas sensações instintivas de que a coisa cheirava mal acossava a mente e, principalmente, o ‘nariz’…

Enquanto aguardávamos o desenrolar dos acontecimentos (ou seriam dos não-acontecimentos?) a Manuela, do PCdoB, desmente como fake o vídeo. Alívio. O vídeo era mesmo estranho, pensávamos. E estávamos com pena do Chico, que se fosse verdade, poderia ser defenestrado. As pegadinhas na Internet proliferam. E todos tem medo. Mas o vídeo continua se espalhando. A Internet é um ‘telefone sem fio’ inexorável. Mas eis que surge uma advertência bem suave e ‘corporativa’ da Globo para os seus colaboradores tomarem mais cuidado. O próprio Chico já havia admitido que fizera o vídeo para os ‘amigos’. E vazara… Tolinho. Tudo tranquilo. O melhor dos mundos. Que bom! O Chico não vai embora. Pelo menos por agora. Ou nunca, se é uma bomba semiótica. Ou será defenestrado mesmo ‘quando for a hora’ se for uma bomba semiótica mais elaborada que preveja algumas ‘baixas’ sem importância.

Íntegra da música Pesadelo:

Pesadelo
(Maurício Tapajós / Paulo César Pinheiro)

Quando o muro separa uma ponte une
Se a vingança encara o remorso pune
Você vem me agarra, alguém vem me solta
Você vai na marra, ela um dia volta
E se a força é tua ela um dia é nossa
Olha o muro, olha a ponte, olhe o dia de ontem chegando
Que medo você tem de nós, olha aí

Você corta um verso, eu escrevo outro
Você me prende vivo, eu escapo morto
De repente olha eu de novo
Perturbando a paz, exigindo troco
Vamos por aí eu e meu cachorro
Olha um verso, olha o outro
Olha o velho, olha o moço chegando
Que medo você tem de nós, olha aí

O muro caiu, olha a ponte
Da liberdade guardiã
O braço do Cristo, horizonte
Abraça o dia de amanhã, olha aí

Transcrição do vídeo do Chico Pinheiro:

Realizaram o fetiche.

O fetiche deles era lula na cadeia e num foi do jeito que eles queriam mas o lula foi.

E agora? O que vão fazer agora?

Como é que fica? Qual é o próximo passo?

Como ele não foi para a cadeia na hora que eles queriam, levou mais algum tempo, que ele não saia exatamente na hora que não for a hora.

Ele precisa sair sim mas ele vai sair na hora que for a hora.

Que lula tenha calma, sabedoria, inspiração divina para ficar quieto um tempo ali onde ele está.

Se a gente pensar bem aquela acomodação em que ele está é melhor do que todos os lugares onde dormiu quando era criança e quando ele estava na juventude, né?

Deixa quieto com o tempo para ver o que eles vão fazer.

A coisa está louca.

A direita não tem o que fazer.

Os coxinhas estão perdidos.

Eles têm que arranjar outro caminho agora.

Que lula tenha paz e sabedoria.

Ele está bem guardado.

Ele está protegido.

E ele está caminhando por aí.

Que como ele disse. É a melhor frase de tudo, né? Eu não sou mais o ser humano, eu sou uma ideia. Idéia não se prende. A gente tá solto. Quando uma pessoa deixa de ser um ser humano e se transforma numa ideia começa o pesadelo.

Vai ser difícil eles dormirem a partir de agora.

[Outra pessoa falando. Um outro vídeo (Veja no final desta transcrição) mais elaborado mostra que é Cristiana Lobo. Mais adiante Chico Pinheiro comenta a legenda da Globo News.]

É, o PT ainda não se permite raciocinar sobre essa nova realidade, que a realidade sem Luiz Inácio lula da silva candidato à presidência da republica.

[Chico de novo]
Olhe aqui a legenda da Globonews agora: ‘Sem lula PT precisa traçar novas estratégias’.

Ora que tem traçar novas estratégias são eles.

Vão fazer o que agora?

[Cristiana Lobo falando novamente.]
Eles não decidem quem será o candidato a presidente…[fading]

[Chico cantando, truncando a letra e  trocando algumas palavras]
Quando o muro separa uma ponte une

a vingança encara remorso pune  você vem me agarra

alguém vem e me solta
você vai na marra e algum dia volta

E se a força é sua um dia é nossa.

Olha o muro, olha a ponte, olhe o dia de  ontem chegando.

Que medo você tem de nós.

Olha aí.

O muro caiu olha a ponte, da liberdade guardiã.

O braço do Cristo horizonte, abraça o dia de amanhã

Olha aí.

Aí Ana Cañas, grava isso. Regrava isso. Que é tão atual. Pedido do Chico Pinheiro. Beijo do Coala pra vocês. Vamo a frente. Vamo em frente. Eu tô aqui no meu posto. Difícil. Mas eu tenho perspectiva histórica. Um beijo no coração de vocês que me representaram quando eu tinha que apresentar aquele jornal de ontem. Mas está tudo bem.

A história é um carro
alegre cheia de um povo contente que
atropela indiferente todo aquele que a negue.

[Trecho da Cancion por la unidad de Latino América]

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