Brasil

Estudo do Rio Grande do Sul sobre diferença salarial entre homens e mulheres causa polêmica no meio acadêmico

Pesquisa conclui que apenas 7% da diferença pode ser atribuída à discriminação de gênero, mas críticos consideram análise ‘falha’

RIO - Um estudo da Fundação de Economia e Estatística do Governo do Estado do Rio Grande do Sul (FEE), em Porto Alegre, irritou grupos feministas e representantes do meio acadêmico. A pesquisa em questão, sobre as diferenças de salários entre homens e mulheres no Brasil, se debruçou sobre dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2013 que revelaram que os brasileiros ganharam, em média, 20,8% a mais do que as brasileiras.

Acreditando que a simples comparação das médias de salário não seria uma forma precisa de analisar a diferença de remuneração entre os gêneros, os economistas Guilherme Stein e Vanessa Sulzbach investigaram as prováveis razões para este descompasso. Para eles, a parcela maior desse diferencial não se deve puramente ao gênero do trabalhador, mas a “características” específicas de cada sexo. Nas palavras dos autores:

“A simples diferença das médias de salário entre homens e mulheres não pode ser atribuída apenas a um efeito de gênero no mercado de trabalho. Ambos os sexos apresentam distintas características relevantes para a determinação do salário. Comparar apenas as médias salariais significa, portanto, relacionar coisas que são diferentes entre si”, conclui o estudo intitulado “Relatório sobre o mercado de trabalho do Rio Grande do Sul — 2001-13”.

A intenção do estudo foi destrinchar os critérios de diferenciação de salário que podem ser explicados por “características associadas a produtividade” de um outro componente não explicado: a discriminação de gênero.

De acordo com os resultados, três fatores empurram o salário das mulheres para baixo: elas dedicam um maior número de horas aos afazeres domésticos do que os homens (trêz vezes mais, de acordo com o IBGE), têm maior chance de interromper a carreira (35,1%, contra 14,7% dos homens) e costumam exercer atividades com remunerações mais baixas e de caráter informal. Enquanto isso, apenas dois puxam os salários para cima: as mulheres têm maior nível de intrução (em média, 10,7 anos de estudo, contra 9,17 dos homens) e costumam entrar no mercado de trabalho um pouco mais tarde.

Dos 20% de diferencial de renda, dois terços (13,8 pontos percentuais) podem ser explicados por esses fatores. Ou seja: mesmo que homens e mulheres trabalhassem o mesmo número de horas, com as mesmas atribuições, ainda assim as mulheres ganhariam 7% a menos do que eles. A diferença só poderia ser explicada pela discriminação, conclui o estudo.

Diversas pesquisadoras apontam, no entanto, que enquadrar as três maiores causas do baixo salário feminino — mais afazeres domésticos, interrupção da carreira e trabalho informal — fora do escopo do sexismo é, no mínimo, ingênuo.

— Esses fatores já são, essencialmente, discriminatórios — afirma Hildete Pereira de Melo, economista da UFF, especialista em trabalho e desigualdade de gênero. — Por que será que a mulher abandona mais sua carreira? Porque, hitoricamente, cuidar das crianças é uma responsabilidade dela. Além disso, a falta de creches públicas e os altos preços das particulares faz com que ela seja obrigada a ficar em casa com os filhos.

Um grupo de funcionárias da própria FEE escreveu um manifesto contra o estudo publicado no dia 30 de abril. Para as acadêmicas, a pesquisa faz parecer que abandonar a carreira ou optar por um trabalho informal é uma escolha da mulher. O texto afirma que o estudo contém “passagens vergonhosas sobre as razões das diferenças de salários entre homens e mulheres, atribuindo a parcela maior desse diferencial a ‘características’ específicas de cada sexo”.

Uma das responsáveis pelo relatório que analisou cerca de 100 mil salários, Vanessa deixa claro que o estudo foca especificamente na discriminação feita pelos empregadores, não em fatores mais amplos, como o sexismo intrínseco na sociedade.

— Escolhemos analisar uma parcela da questão geral: exclusivamente a discriminação por parte de quem contrata os trabalhadores. Não avaliamos o contexto da desigualdade de gênero dentro da sociedade — comenta a pesquisadora de 29 anos, que diz ter ficado surpresa com a repercussão negativa. — Esse é um estudo que não encerra a questão do diferencial de salários entre homens e mulheres. Outras áreas do conhecimento podem tentar explicar as razões não abarcadas por nós.

A avaliação se baseou em um estudo encomendado pelo Ministério do Trabalho americano. As variáveis analisadas pela equipe brasileira foram as mesmas, e o resultado também foi bastante parecido: nos Estados Unidos, o diferencial de salário atribuído à discriminação é de 5%. As duras críticas chegaram a mobilizar um abaixo-assinado de 146 economistas que atestaram a validade da experiência: “O documento é tecnicamente bem fundamentado. Ele usa os dados disponíveis da PNAD do IBGE, que é a fonte básica para quase todos os estudos microeconômicos no Brasil, e aplica um modelo teórico (tecnicamente chamado de Decomposição Oaxaca-Blinder) que também é padrão na literatura científica internacional”. Porém, para os críticos, descolar uma análise sobre desigualdade salarial entre homens e mulheres do contexto social é um erro básico.

— Não é uma crítica à metodologia, que é utilizada amplamente há décadas. O problema é dizer que a maior parte desse diferencial de salário não é consequência dos efeitos de gênero. Se as mulheres estão mais vinculadas à informalidade e a um trabalho mais precário, é porque durante séculos elas foram empurradas nessa direção. Há questões históricas e culturais muito fortes por trás disso. Não considerar esses aspectos é uma falha — opina uma funcionária da fundação que preferiu não se identificar. — O documento faz parecer que interromper a carreira, ficar grávida, se inserir em profissões com remunerações mais baixas é uma escolha racional da mulher.